
Cena do documentário Death Metal Angola, que será exibido na próxima edição do Festival In-Edit, em maio, em São Paulo
Rio de Janeiro, RJ – Em 2009, o cineasta americano Jeremy Xido estava em Huambo, a segunda maior cidade de Angola, fazendo uma pesquisa para um documentário sobre a reconstrução de uma ferrovia após anos de guerra civil. Num café, encontrou Wilker Flores, seu contato local, que se apresentou como músico. Jeremy perguntou então que tipo de música ele tocava. “Death metal”, disse Wilker, para seu incrédulo interlocutor. Ali começava a nascer um outrofilme: Death Metal Angola, sobre os esforços de Wilker e da namorada Sonia em promover o primeiro festival de rock do país, que acabou reunindo bandas locais, representantes dessa variante ultraviolenta e soturna do heavy metal, como o Dor Fantasma e o Before Crush. Escalado para a próxima edição do Festival In-Edit, em maio, em São Paulo, e com exibição marcada para abril no Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires, o filme de Jeremy Xido é apenas uma das obras que têm colaborado para revelar as excêntricas cenas do metal extremo no sul da África.
No mesmo ano em que Jeremy tentava desvendar o barulho angolano, o fotógrafo sul-africano Frank Marshall se embrenhava pelo vizinho Botsuana e descobria um público apreciador de metal pesado, que se vestia com casacos de couro e chapéus de caubói, como os músicos do grupo inglês Motörhead na capa do disco Ace of Spades. As fotos que fez dessa cena viraram a exposição Renegades, que já passou por seu país e pelos Estados Unidos.
Os próximos passos no registro do metal na África negra são o documentário Terra Pesada (da americana Leslie Bornstein, sobre a cena em Moçambique, em fase de captação de recursos para finalização) e o livro Heavy Metal Africa – Life, Passion & Heavy Metal in the Forgotten Continent a ser lançado pelo antropólogo americano Edward Banchs.
“Ninguém sabia que esses caras existiam, nem em Botsuana. Agora, eles estão recebendo mais atenção, mas ainda são muito underground”, diz Frank Marshall. “Botsuana é um país muito conservador, as pessoas trabalham duro, e o metal se torna uma forma de se rebelar. Todo mundo tem agressividade, e essa música acaba tendo apelo universal”.
CONTEXTO
“As letras fantasmagóricas do death e black metal nórdicos se tornam quase jornalísticas no contexto angolano”, acredita Jeremy Xido. “Todo mundo viveu ou ouviu histórias de parentes que foram baleados, mortos e depois comidos por cães nas ruas. E todo mundo conhece e vê diariamente pessoas com membros amputados que enlouqueceram por causa da guerra. Talvez haja algo com o extremismo do death metal que tenha a capacidade de tocar essas histórias, dar forma a elas e permitir que sejam contadas. A música proporciona uma libertação da raiva, da dor e da confusão, mas em comunidade. Letras que falam de destruição são uma coisa, mas você tem que ver que essas pessoas estão se juntando e montando bandas, construindo todo um movimento. E esse é oposto da destruição”.
O primeiro festival de rock em Huambo repercutiu: repetiu-se ano passado e ganha a terceira edição em setembro. “Em 2012, eles conseguiram até trazer uma banda de Moçambique. As cenas do sul da África estão co-
meçando a se conectar”, festeja Jeremy.
Não muito fã da música típica africana (em especial, aquela que vem embalada como “world music”), Leslie Bornstein começou a buscar em Moçambique algum som que a agradasse. Achou os meninos do metal. E logo começou a filmá-los, para tentar entender o que os levava àquela música tão intensa.
“Esses garotos são a primeira geração de moçambicanos a ter liberdade para ouvir e tocar o que quiserem”, conta Leslie, que montou um site (www.terrapesada.com) a fim de arrecadar fundos para terminar seu filme. “Depois de 500 anos de uma colonização brutal, seguidos de 30 anos de guerra, eles finalmente podem se dar ao luxo de ser o que chamaríamos de ‘adolescentes rebeldes’ ou ‘juventude transviada’. Eles podem ser... garotos”.
As dificuldades que a cena de Moçambique encontra para se expandir são grandes. As conexões de internet no país são precárias. E nem sempre as bandas se expressam em inglês, a língua-padrão do metal. “A maior parte das letras é em português, e agora eles estão começando a cantar também em xangana, uma língua tribal que é a primeira que muitos aprendem por lá”, diz a cineasta. “As letras das canções cobrem muitos assuntos, que vão da morte à importância de se usar camisinha na prevenção da infecção por HIV, que ainda é um problema muito grande no país”.
FENÔMENO
Antropólogo especializado em estudos africanos, Eddie Banchs hoje se diz satisfeito: fã de heavy metal, ele sempre se frustrava ao tentar achar representantes do gênero no continente negro. Acabava sempre esbarrando nas bandas brancas da África do Sul, país que tem a melhor rede de metal.
“Muitos artistas europeus se apresentam no país, em festivais. Mas agora, os grupos do sul da África estão chegando lá. As cenas do Quênia e de Moçambique estão crescendo muito rapidamente. São garotos que tocam metal porque têm paixão pela música, apesar de todas as adversidades, como as guerras, a corrupção e a fome. As bandas africanas têm, em suas letras, a mesma temática que um Sepultura usou no começo de sua carreira”, analisa Eddie, apostando, com seu livro, em um possível novo fenômeno de heavy metal terceiro-mundista.
Rio de Janeiro, RJ – Em 2009, o cineasta americano Jeremy Xido estava em Huambo, a segunda maior cidade de Angola, fazendo uma pesquisa para um documentário sobre a reconstrução de uma ferrovia após anos de guerra civil. Num café, encontrou Wilker Flores, seu contato local, que se apresentou como músico. Jeremy perguntou então que tipo de música ele tocava. “Death metal”, disse Wilker, para seu incrédulo interlocutor. Ali começava a nascer um outrofilme: Death Metal Angola, sobre os esforços de Wilker e da namorada Sonia em promover o primeiro festival de rock do país, que acabou reunindo bandas locais, representantes dessa variante ultraviolenta e soturna do heavy metal, como o Dor Fantasma e o Before Crush. Escalado para a próxima edição do Festival In-Edit, em maio, em São Paulo, e com exibição marcada para abril no Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires, o filme de Jeremy Xido é apenas uma das obras que têm colaborado para revelar as excêntricas cenas do metal extremo no sul da África.
No mesmo ano em que Jeremy tentava desvendar o barulho angolano, o fotógrafo sul-africano Frank Marshall se embrenhava pelo vizinho Botsuana e descobria um público apreciador de metal pesado, que se vestia com casacos de couro e chapéus de caubói, como os músicos do grupo inglês Motörhead na capa do disco Ace of Spades. As fotos que fez dessa cena viraram a exposição Renegades, que já passou por seu país e pelos Estados Unidos.
Os próximos passos no registro do metal na África negra são o documentário Terra Pesada (da americana Leslie Bornstein, sobre a cena em Moçambique, em fase de captação de recursos para finalização) e o livro Heavy Metal Africa – Life, Passion & Heavy Metal in the Forgotten Continent a ser lançado pelo antropólogo americano Edward Banchs.
“Ninguém sabia que esses caras existiam, nem em Botsuana. Agora, eles estão recebendo mais atenção, mas ainda são muito underground”, diz Frank Marshall. “Botsuana é um país muito conservador, as pessoas trabalham duro, e o metal se torna uma forma de se rebelar. Todo mundo tem agressividade, e essa música acaba tendo apelo universal”.
CONTEXTO
“As letras fantasmagóricas do death e black metal nórdicos se tornam quase jornalísticas no contexto angolano”, acredita Jeremy Xido. “Todo mundo viveu ou ouviu histórias de parentes que foram baleados, mortos e depois comidos por cães nas ruas. E todo mundo conhece e vê diariamente pessoas com membros amputados que enlouqueceram por causa da guerra. Talvez haja algo com o extremismo do death metal que tenha a capacidade de tocar essas histórias, dar forma a elas e permitir que sejam contadas. A música proporciona uma libertação da raiva, da dor e da confusão, mas em comunidade. Letras que falam de destruição são uma coisa, mas você tem que ver que essas pessoas estão se juntando e montando bandas, construindo todo um movimento. E esse é oposto da destruição”.
O primeiro festival de rock em Huambo repercutiu: repetiu-se ano passado e ganha a terceira edição em setembro. “Em 2012, eles conseguiram até trazer uma banda de Moçambique. As cenas do sul da África estão co-
meçando a se conectar”, festeja Jeremy.
Não muito fã da música típica africana (em especial, aquela que vem embalada como “world music”), Leslie Bornstein começou a buscar em Moçambique algum som que a agradasse. Achou os meninos do metal. E logo começou a filmá-los, para tentar entender o que os levava àquela música tão intensa.
“Esses garotos são a primeira geração de moçambicanos a ter liberdade para ouvir e tocar o que quiserem”, conta Leslie, que montou um site (www.terrapesada.com) a fim de arrecadar fundos para terminar seu filme. “Depois de 500 anos de uma colonização brutal, seguidos de 30 anos de guerra, eles finalmente podem se dar ao luxo de ser o que chamaríamos de ‘adolescentes rebeldes’ ou ‘juventude transviada’. Eles podem ser... garotos”.
As dificuldades que a cena de Moçambique encontra para se expandir são grandes. As conexões de internet no país são precárias. E nem sempre as bandas se expressam em inglês, a língua-padrão do metal. “A maior parte das letras é em português, e agora eles estão começando a cantar também em xangana, uma língua tribal que é a primeira que muitos aprendem por lá”, diz a cineasta. “As letras das canções cobrem muitos assuntos, que vão da morte à importância de se usar camisinha na prevenção da infecção por HIV, que ainda é um problema muito grande no país”.
FENÔMENO
Antropólogo especializado em estudos africanos, Eddie Banchs hoje se diz satisfeito: fã de heavy metal, ele sempre se frustrava ao tentar achar representantes do gênero no continente negro. Acabava sempre esbarrando nas bandas brancas da África do Sul, país que tem a melhor rede de metal.
“Muitos artistas europeus se apresentam no país, em festivais. Mas agora, os grupos do sul da África estão chegando lá. As cenas do Quênia e de Moçambique estão crescendo muito rapidamente. São garotos que tocam metal porque têm paixão pela música, apesar de todas as adversidades, como as guerras, a corrupção e a fome. As bandas africanas têm, em suas letras, a mesma temática que um Sepultura usou no começo de sua carreira”, analisa Eddie, apostando, com seu livro, em um possível novo fenômeno de heavy metal terceiro-mundista.
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fonte: http://gazetaweb.globo.com/
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